“A incredulidade é impaciente. A fé ignora a pressa” - Simon Vestdijk. Essa frase expressa bem a história do grandre artista Rodval Matias e seu relacionamento com a arte, com início em tenra idade, pautado em muita dedicação, crença e paixão. Rodval Matias nasceu em 23 de novembro de 1953, na cidade paulista Novo Horizonte e aos 6 anos, mudou-se com sua família para a cidade de Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná. Lá pôde crescer livremente, em contato com o bucolismo da região, que acabaram por fortalecer seu espírito e arraigar seus valores e princípios. Foi nesse ambiente que começou a desenvolver os primeiros esboços daquilo que se tornaria uma das razões de sua vida. A inspiração nasceu durante as leituras de quadrinhos como: Príncipe Valente de Harold Foster, Flash Gordon de Alex Raymond (algumas de suas principais referências, ao lado do grandioso Frank Frazetta) , Batman, Zorro (bang-bang), Capitão América, Tarzan e entre 12 e 13 anos já traçava esses heróis e suas fantásticas estórias com bastante habilidade, chegando a copiá-las inteiras. Devido a distância da metrópole e a falta de recursos na época, sua formação foi auto-didata, embora o artista não considere esse fato um sacrifício: sua paixão e vontade instrumentavam o talento inato. Aos 15 anos já trabalhava em um escritório de contabilidade, visto às dificuldades encontradas para iniciar a carreira como quadrinhista, mas a arte permeava sua essência e jamais pensou em abandoná-la de fato. Em 1974, de volta à São Paulo, agora na capital, frequentou alguns meses uma escola de desenho de Olavo Pereira, situada à Av.Angélica, mas não conseguiu levar adiante pelas dificuldades de adaptação ao rítmo da cidade grande. O ano de 1987 foi divisor em sua vida. Foi nesse ano que Matias resolveu arriscar e fez então dois projetos de história em quadrinhos: um sobre Zumbi dos Palmares outro sobre a Invasão Holandesa, desenvolvidos paralelamente ao seu trabalho em contabilidade. Esses foram oferecidos a Adolfo Aizen da Ebal e um mês depois houve a resposta: eles publicariam a Invasão Holandesa. A notícia foi recebida com emoção e foi a alavanca que o impulsionou a abandonar definitivamente a sua carreira como escriturário. Em seguida, participou do movimento da Grafipar-PR como quadrinhista abordando os mais variados temas como história do Brasil, Fantasia, Ficção, Terror e outros. Essa viagem pela H.Q. culminou com o lançamento de três albuns para Bélgica: Orinoco I, II, III, no ano de x, com texto do escritor Julio Emilio Brás, pela editora Orange. A temática era a saga dos “Bandeirantes”, pelo qual Matias é apaixonado. Isso sagrou de fato o talento e aptidão indiscutíveis. Depois dessa fase, o artista já trabalhava capas para revistas em quadrinhos valendo-se da pintura à óleo, o que lhes conferia uma estética mais elaborada. Em princípio, explorou o fantástico no universo frazettiano, depois transitou por diversos assuntos até chegar à sua temática predileta: o Brasil. Matias confessa-se um amante fiel à cultura do nosso povo e é admirador inveterado de nossa natureza, da qual é testemunha insuspeita, visto sua convivência em ambientes de natureza primitiva (sobretudo em sua infância), além de seu genuíno interesse na pesquisa de nossa História. Hoje, Matias está envolvido com trabalhos de ilustração para livros didáticos, paradidáticos, religiosos, CD-Rom, capas de livros e fitas de vídeo. A fração de sua história, aqui descrita, ilustra como a fé e a obstinação podem transformar sonhos em realizações. A aquarela estava em suas mãos e ele não se omitiu diante da vida, compondo uma tela repleta de esperanças assimétricas e vontades precisas. Sophia Ferreira Entrevista por Jose Carlos NevesSe Mozart Couto fosse o “Da Vinci das HQBS”, certamente Rodval Matias seria o “Michelangelo”. Mas prefiro apelida-lo de “o Frazetta brazuca” em homenagem ao grande pintor de fantasia heróica e ficção americana, inspirador de toda uma geração mundial de artistas e hoje elevado ao panteão dos ícones das artes populares. Deparei-me com o traço maravilhoso, preciso e elegante deste paulista nascido aos 23 de novembro de 1953 - 5 dias antes que Alan Moore – nas revistinhas de “aventura e fantasia” da saudosa editora Grafipar, do Paraná. (As aspas são para ressaltar que, na verdade, a grande maioria das revistas da editora que deu guarida a veteranos e gerou toda uma ninhada de excelentes Quadrinistas, eram mesmo pornográficas. “Era o que vendia” na época – e sempre – afinal, como sempre justificaram o proprietário “turco” da editora e o mentor do famoso “Clube de Quadrinhos Bico de Pena”, Cláudio Seto. Dessa forma, sob a camuflagem de títulos pomposos de Ficção Cientifica, Fantasia Heróica, Faroeste e Terror, os autores e artistas se viam obrigados mesmo a fazer estórias eróticas – o que não deixou de ser uma importante forma de exercitarem-se na “anatomia humana”, requisito sine qua non de qualquer desenhista que se preze...). Mas voltando ao nosso Entrevistado, ele nasceu em Novo Horizonte, São Paulo, cidade que fica entre Guaiçara, do Seto, e Borborema, do nosso outro “samurai”, o Mestre Shimamoto. Soube que tinha abandonado os Quadrinhos de vez, indo “garantir o pão” em plagas mais alvissareiras, na Publicidade e Ilustração comercial. -Estimado Matias, para iniciar complete sua apresentação: onde vive atualmente? Continua casado? Filhos – além da Ana Paula? E no que vem trabalhando especificamente? R- Cara, faz tanto tempo assim que não nos falamos? -O quê e quando iniciou seu interesse pelos Quadrinhos? R-Desde a infância tinha vocação pelo desenho e um interesse especial pelas revistas em quadrinhos. Lia muito Príncipe Valente, Flash Gordon, Batman, Zorro (bang-bang), Capitão América, Tarzan etc. Com 12, 13 anos já copiava bem esses personagens. Cheguei a copiar uma história completa de Tarzan. A liberdade de conduzir um personagem numa ação é fascinante. É isso que me atrai numa história em quadrinhos. - Pode citar autores e obras que o influenciaram? R - Harold Foster com o Príncipe Valente, uma Obra Prima. Ficava horas olhando aqueles desenhos. Alex Raymond autor de Flash Gordon. O seu traço a bico de pena me hipnotizava. -Eu sei que você é um cara místico. O que você pensa da Magia? R - Não sou um místico de carteirinha que busca poções mágicas, encantos ou qualquer outra prática oculta. Entendo que caminhamos todos para um ponto de equilíbrio. Não há poções mágicas para isso e sim “querer” chegar lá. Bem ou mal chegaremos ao nosso destino. Existe uma lei que rege tudo isso e impulsiona os homens para o esclarecimento. É a Lei do Progresso. -Sobre o atual estágio dos Comics no mundo, qual o futuro que você antevê para a Nona Arte? R-Creio que a HQ sempre manterá a mística e o fascínio que ela exerce em todos nós. -E no Brasil? -O quê você acha que pode explicar o atraso brasileiro em relação, não digo aos EUA, mas à Europa, por exemplo, no que concerne a álbuns de qualidade (salvo raras exceções, é claro, como os de Mutarelli, Mestre Shima, Mozart Couto e uns poucos outros abnegados)? R - No Brasil, infelizmente (por enquanto) continuaremos a correr atrás. Tudo culpa do nosso infindável problema econômico e também das editoras que não sabem dar o devido valor a essa arte. Se paga muito pouco e o desgaste é muito grande para o artista. Aqui não se consegue viver fazendo HQ. O artista brasileiro que quer vencer nesse campo tem que tentar lá fora. E temos muita gente de qualidade fazendo isso. Se tivéssemos alguém com boa visão empresarial disposto a investir no artista brasileiro e pegasse essa produção e negociasse no exterior, vendendo ou mesmo em forma de permuta, aqueceria com isso o setor. Acho que daria certo porque mão de obra qualificada nós temos. Então falta tradição empresarial. Teríamos que ser vistos como parceiros também, pois criamos o produto e não usufruímos o lucro. -O quê, a seu ver, poderia ser feito para mudar para melhor este quadro? R-Não jogar a toalha… -Mas falemos agora do teu reconhecido trabalho. Como você se interessou por desenho? R - Sempre me interessei por desenho. Desde a infância vivia rabiscando, criando figuras... Acho que o meu início não foi diferente de qualquer outro artista, tirando esse ou aquele detalhe. Como disse no início, o fato de morar longe de um grande centro dificultou e até atrasou o meu desenvolvimento artístico. Aprender sozinho fez com que desenvolvesse vícios difíceis de abandonar. Quando você tem um mestre ou mesmo um bom livro que lhe forneça dados técnicos ajuda muito. Mas esse era o meu desafio. Pratiquei muito e sempre acreditei que ia vencer. - Freqüentou alguma escola ou é autodidata? Quais suas maiores influências? R - Logo que cheguei a São Paulo, inicio de 1974, freqüentei alguns meses uma escola de desenho de Olavo Pereira, ali na Av Angélica. Mas não consegui levar adiante. Tinha dificuldade de me adaptar ao ritmo da cidade grande. -A influência do mestre-dos-mestres, o Frazetta, é notória, mas lembro-me que você me mostrou um livro de um outro pintor pré-frazetiano, me dizendo então “aqui é até o Frazetta bebeu água'”. Foi o Maxfield Parrish ou Howard Pyle tava aquelas maravilhosas “marinas” de navios piratas em batalha com outros galeões ou contra a fúria do mar? R-São dois caras muito bons que nasceram no século 19. Howard Pyle e Heinrich Kley. Tenho a impressão que Pyle pintava com muita facilidade, já Kley usava sua pena para dar movimento e graça as figuras. Dá para perceber claramente a influência desses artistas na obra do Frazetta. -O que recomenda para desenhistas novatos em termos de aprendizagem, principalmente desenho da figura (anatomia), luz-e-sombra, perspectiva e composição artística? R-Para quem está começando é muito importante uma boa orientação, seja numa escola de desenho com um mestre, ou com bons livros, aprendendo teoria e prática. -Como se deu o seu “debut” nos Quadrinhos? Foi na Grafipar? Obteve um feedback imediato, ou demorou um pouco? R - Sobrevivia na época (1977) trabalhando em contabilidade. A noite desenhava. Fiz então dois projetos de história em quadrinhos, um sobre Zumbi dos Palmares outro a Invasão Holandesa e ofereci para Adolfo Aizen da Ebal. Um mês depois recebi a resposta sobre o seu interesse em publicar a Invasão Holandesa. Foi a maior emoção da minha vida. Como vê, não demorou nada. Meu segundo trabalho tinha sido vendido. Não sei o que aconteceu com Zumbi… devia estar muito ruim aquilo. -Aquelas telas formidáveis, você mandava para eles e depois recebia de volta? Ainda possui seu “acervo”? R - Muita coisa se perdeu. Apesar de o Seto ter um enorme carinho com o nosso trabalho. Outras destruí, pois não curto muito aquele início. -Quais dos seus trabalhos você julga mais importantes e por quê? R- Já no final daquele movimento todo da Grafipar fiz um trabalho muito bom sobre Bandeirantes, para a Bélgica junto com o Júlio Emílio Braz. Foram três histórias e eles publicaram duas apenas. O tema é apaixonante. O Júlio pesquisou muito bem o período e eu estava dando a minha alma naquele projeto, mas… -Foi através do Artecomix, outro agente, ou direto com as editoras? R - Foi direto com o agente belga. -Como é o relacionamento com os editores estrangeiros? O pessoal paga corretamente? R - Recebi tudo direitinho. -E aqui no Brasil? R - Nunca levei um calote de ninguém. E faço votos que continue assim. -Você concorda que, depois de uma onda iniciada, a meu ver, na Image, o desenho de super-heróis tem optado por uma arte mais realista – em termos de visual e não de temática. Melhor explicando: seres de músculos anabolizados impossíveis não são realistas. Mas sua representação no papel, quase sempre iluminados por no mínimo duas fontes de luz – uma mais forte e no lado oposto a esta, outra mais fraca, ou de luz rebatida, torna as figuras mais realistas, mais tridimensionais, se me entende – como faz Dale Keown e principalmente o italiano Paolo “Druuna” Serpieri. Concorda que existe esta tendência? R - Caramba, bicho! Não sei se entendi. Mas parece que sim… Os super-heróis possibilitam essas “viagens” anatômicas e os novos recursos gráficos ajudam a dar mais realismo, já que o personagem não está preso às mesmas leis físicas que nós mortais, juntando tudo isso a necessidade de criar novos padrões, os super-heróis de portes até bizarros ficam normais. Talvez seja um truque inteligente dos autores na tentativa de minimizar essa diferença gritante entre o leitor e sua criação. Como fica bonito e todo mundo segue o design, passa a ser uma tendência. -Seria este novo jeito de desenhar mais elaborado, uma forma de concorrer mais à altura com a computação gráfica, na qual as figuras, eu costumo dizer, sã0 mais reais do que o real. R - O trabalho feito no computador fica fantasticamente artístico se você usar as ferramentas certas. Senão fica artificial. -E falando nisto, o que acha do desenho do italiano Paolo Eleuteri Serpieri – e sua inigualável Druuna – principalmente em termos anatômicos e de arte finalização, com aqueles traços finos à pena, hachureando para representar à iluminação mencionada acima, e simultaneamente acompanhado a superfície – como os wire-frames da computação gráfica – que passa a idéia de volume, de tridimensionalidade com grande maestria? R- Também gosto do trabalho do Serpieri. E sua personagem Druuna é uma bela miragem. Sabendo fazer, a técnica com hachuras fica muito bom como vemos no seu trabalho. Quem puder ter acesso ao restante da sua obra vai ter uma grata surpresa. Ele produziu outros temas com a mesma beleza. -Você também já trabalha com Arte Digital? Somente “aperfeiçoando”o que desenhou antes no papel, ou já cria totalmente no PC? Qual programa considera o melhor para isto e porque? R- Hoje uso a prancheta apenas para desenhar. A arte-final faço toda no computador. -Sobre os fanzines, onde, parece, quase todos nós brasileiros começamos você acha que eles ainda têm espaço neste novo mundo de Internet? R- Sim. Principalmente agora com a internet. -Continua lendo Quadrinhos? Pensa em “voltar”? R- A situação hoje é diferente daquela época. Tá complicado… A vontade de fazer HQ nunca acabou. -Finalizando,amigo, forneça-nos o URL do seu Site e teça suas considerações sobre o nosso. R- Foi muito bom conhecer o seu site. Ver as entrevistas do pessoal da nova e da velha guarda. Explorar o as páginas do Frazetta e curtir. Meu site ainda em formação: http://www.rodvalmatias.com.br
Caso haja interesse em ter mais detalhes sobre seus trabalhos, envie um e-mail diretamente ao artista, que será respondido com toda a atenção. |